Sabe, a
vida é cheia de contradições. Remédio por exemplo: tem
contradição maior que o remédio? Geralmente te um gosto tão ruim!
Mas é essa parte manipulada da natureza que salva a nossa vida –
seja de uma bactéria, seja de uma dor de cabeça bobinha. Por outro
lado, tantos doces e outras comidas são tão apetitosas! Mas quando
se come demais... Ah! Os efeitos são desastrosos. O espelho e o
medidor de colesterol que o digam! E um bom ladrão? Você consegue
imaginar como seria isso?
No texto
que lemos, somos apresentados a três malfeitores: Um deles, segundo
a tradição, chamado Dimas; o outro, também segundo a tradição,
chamado Gestas e o terceiro deles chamado Jesus de Nazaré. Que crime
esses três homens teriam cometido para serem sentenciados a tão
terrível pena? Teriam roubado doce de criança? Teriam roubado a
moeda da viúva? Ou pior! Teriam eles adulterado? Estuprado? Ou
assistido Zorra Total? Acho que não. A cruz não era
destinada a este tipo de criminoso. Estes seriam apedrejados, jogados
aos leões ou esquartejados. A cruz era destinada aos criminosos
políticos. As pessoas que pregassem contra o governo Romano tinham
destino certo: A cruz. E ali ficariam pregadas por dias, tendo seus
olhos comidos pelos corvos, esperando a morte, seja pela falta de
água ou pela falta de sangue no corpo. Ali elas ficariam penduradas
por semanas para exemplificar o que acontece com quem se volta contra
Roma. Agora que temos uma pista das acusações destes ladrões (ou
malfeitores), vamos conhecê-los melhor?
O
primeiro deles é Gestas – o tentador.
A
multidão gritava ensandecida: “Salva-te a ti mesmo, se és o
Cristo”. Os guardas também gritavam o mesmo. E até este danado,
chamado Gestas, desafiou a Jesus para que os tirasse daquela
situação. Não pretendo ser o Advogado de Gestas, mas eu compreendo
a situação dele. Gestas estava ao lado do homem que viu operar
milagres! E além disso, estava prestes a sofrer a pior morte. Ainda
que a Bíblia diga que ele blasfemava, imagino que no fundo, no
fundo, ele queria mesmo era tentar Jesus. Tentá-lo a mostrar quem é
o Cristo e quem de fato manda neste mundo. Afinal, o que eram três
ou quatro soldadinhos romanos frente ao Cristo, filho do Deus vivo?
Alguns teólogos até dizem que esta foi a última tentação de
Cristo: Usar do seu poder em favor próprio.
A nossa
vida não é diferente. Embora a cruz não esteja pregada em nossas
mãos, em algumas situações da vida somos tentados a exercer o
poder com mãos de ferro. “Afinal, é preciso governar com mãos de
ferro e mostrar quem manda!” Agindo assim nós nos tornamos reis.
Mas aquele tipo de rei autoritário, que exerce o poder em benefício
próprio. Se desafiados, instintivamente, como animais, mostramos os
dentes do autoritarismo e nos fazemos reis e imperadores do nosso
círculo pessoal.
Gestas
parece não ter entendido a pregação de Jesus. O seu poder de
operar milagres e maravilhas não foi dado para auto-promoção ou
para provar que era o Cristo. Afinal os Evangelhos retratam tantos
milagres e mesmo assim Jesus estava ali, pregado na cruz. Isto porque
o Reino de Deus não vem através de milagres. O Reino de Deus vem
através do serviço. E diferente de Gestas, Dimas parece ter
entendido melhor esta mensagem. E por falar em Dimas...
Vamos
conhecê-lo também: o bom malfeitor.
Dimas
repreende o seu companheiro dizendo que eles estão ali pelo que
fizeram. Jesus, no entanto, nenhum mal fez. E termina dizendo:
Lembra-te de mim quando vieres no teu reino. Como Dimas podia
conhecer o conteúdo da pregação de Jesus? O passado dos ladrões é
muito difuso. Parte da tradição diz que eles teriam roubado a
Sagrada Família quando eles fugiam pra o Egito e Dimas teria
impedido o seu parceiro de fazer mal à Maria e a Jesus. Outra parte
da tradição – a que prefiro – diz que estes dois ladrões
teriam feito parte dos 70 discípulos que Jesus enviou às cidades.
Se assim foi, esses dois se perderam no meio do caminho. Mas nos
últimos instantes, Dimas se arrepende e pede para ser lembrado
quando vier o reino.
Hoje, de
modo geral, vivemos o conflito de Dimas. Na condição de reprimidos
(ou até mesmo de oprimidos) ansiamos pelo dia em que um messias virá
e causará uma reviravolta e daí aqueles meus irmãos diferentes
serão obrigados a serem iguaizinhos a mim. Quando queremos forçar o
outro a pensar como nós, estamos saindo do caminho de Jesus. A mesa
não é só para iguais. É para o estrangeiro também. E foi nos
últimos instantes que Dimas descobriu isso. O tema da nossa pregação
não deve ser este ou aquele modelo de espiritualidade ou de
política... Dimas descobriu que não importa o seu time. Importa
pregar o Reino de Deus.
Essa
conversão de Dimas me inspira a rever a minha pregação, a minha
prática cristã e a minha concepção de Reino de Deus. Preciso ver
se na minha pregação do Evangelho estou falando mais do Inferno do
que do Reino de Deus; se estou agindo de forma realmente cristã no
meu dia-a-dia que é agir com justiça e em favor nos menos
favorecidos; e principalmente se estou sendo agente de transformação:
Se sou ou não construtor do Reino de Deus.
Isto me
faz lembrar o terceiro malfeitor: Jesus Cristo.
Desculpem-me
qualificar Jesus como malfeitor. Mas no momento em que ele é
colocado entre os dois, a intenção é justamente essa: Identificar
Jesus como mais um ladrão malfeitor. Isto porque Jesus, em seu
ministério, tomou algumas atitudes questionáveis. Afinal, ele comeu
na casa de ladrões, foi visto com prostitutas, andava com pessoas
impuras e até falava com samaritanos e argentinos!
Pior que tudo isso: em um mundo onde contestar o governo maligno é
crime gravíssimo, Jesus se identifica com os criminosos. E lá
estava ele na cruz. Sendo tentado a jogar a toalha e mostrar quem
manda quando o ladrão do seu lado diz: Jesus, lembra-te de mim
quando vieres no teu reino. Ao que Jesus responde: Hoje mesmo estarás
comigo no paraíso.
A
criminalização dos contestadores não é privilégio daquela época.
Ainda hoje, os principais meios de formação de opinião,
patrocinados por um determinado setor da sociedade, se esforçam por
criminalizar a luta de homens e mulheres que nada fazem além de
defender os seus direitos. Neste pacote podemos colocar o Movimento
dos Sem Terra, Sem Teto, o movimento ecumênico – que sofre ataques
tanto da mídia quanto da Igreja. Jesus não se identifica com a
mídia ou com a massa que zomba dele. Ele se identifica com os
criminosos.
Ao sermos
criminalizados, a tendência é perder a esperança. Mas Dimas nos dá
um último ensinamento: A imagem da morte da esperança – desenhada
pela morte de Jesus na cruz – é apenas uma ilusão. Ao dizer
“lembra-te de mim” Dimas expressa sua fé em Jesus e na sua
pregação ao desejar ser – algum dia no futuro – lembrado por
Jesus. A resposta de Jesus é a resposta à fé de Dimas: hoje
estarás comigo no paraíso. Hoje. Não é amanhã, nem daqui a dois
mil anos. É hoje. Diante disto, não podemos mais viver aguardando
por algum evento mágico ou cataclísmico para estar diante de Deus.
A resposta de Jesus é para que experimentemos o Reino de Deus hoje.
Mas como? Através da comunhão entre irmãos, onde compartilhamos
sorrisos banhados de lágrimas de alegria ou de tristeza. Vivenciamos
o Reino de Deus também quando lutamos por um mundo mais justo e
igualitário; quando tomamos a causa do outro – e no dia da
consciência negra, somos convidados a refletir sobre a situação do
negro na sociedade – como se fosse nossa. Fazemos o Reino de Deus
quando jejuamos... E aquele prato que deixamos de comer, nós levamos
a quem tem fome. Construímos o Reino de Deus quando amamos e doamos
este amor em ações ao próximo.
Quero
terminar este sermão perguntando pra você: Destas três
personagens, com quem você mais se identifica? Gestas, o malfeitor
equivocado que queria utilizar o “poder” de Jesus em benefício
próprio; o bom malfeitor Dimas que no último momento de vida se
converteu à pregação de Jesus e compreendeu o que de fato era o
Reino de Deus ou Jesus Cristo, o rei que morreu na cruz, que venceu a
tentação e que anuncia um paraíso para o hoje?
Bom, não
sei vocês, mas eu gostaria de ser Jesus Cristo! No entanto, quando
olho para os meus 26 anos, cheios de erros e conversões, vejo que
estou mais para Dimas: o bom malfeitor. Só espero que nós não
esperemos o fim da vida para entender a pregação de Jesus.
Que Jesus
Cristo seja misericordioso para conosco como foi para Dimas.
Cristo Rei (26 Domingo após pentecostes)
Cristo Rei (26 Domingo após pentecostes)
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