sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

É realmente preciso ser um bom malfeitor


Sabe, a vida é cheia de contradições. Remédio por exemplo: tem contradição maior que o remédio? Geralmente te um gosto tão ruim! Mas é essa parte manipulada da natureza que salva a nossa vida – seja de uma bactéria, seja de uma dor de cabeça bobinha. Por outro lado, tantos doces e outras comidas são tão apetitosas! Mas quando se come demais... Ah! Os efeitos são desastrosos. O espelho e o medidor de colesterol que o digam! E um bom ladrão? Você consegue imaginar como seria isso?

No texto que lemos, somos apresentados a três malfeitores: Um deles, segundo a tradição, chamado Dimas; o outro, também segundo a tradição, chamado Gestas e o terceiro deles chamado Jesus de Nazaré. Que crime esses três homens teriam cometido para serem sentenciados a tão terrível pena? Teriam roubado doce de criança? Teriam roubado a moeda da viúva? Ou pior! Teriam eles adulterado? Estuprado? Ou assistido Zorra Total? Acho que não. A cruz não era destinada a este tipo de criminoso. Estes seriam apedrejados, jogados aos leões ou esquartejados. A cruz era destinada aos criminosos políticos. As pessoas que pregassem contra o governo Romano tinham destino certo: A cruz. E ali ficariam pregadas por dias, tendo seus olhos comidos pelos corvos, esperando a morte, seja pela falta de água ou pela falta de sangue no corpo. Ali elas ficariam penduradas por semanas para exemplificar o que acontece com quem se volta contra Roma. Agora que temos uma pista das acusações destes ladrões (ou malfeitores), vamos conhecê-los melhor?

O primeiro deles é Gestas – o tentador.
A multidão gritava ensandecida: “Salva-te a ti mesmo, se és o Cristo”. Os guardas também gritavam o mesmo. E até este danado, chamado Gestas, desafiou a Jesus para que os tirasse daquela situação. Não pretendo ser o Advogado de Gestas, mas eu compreendo a situação dele. Gestas estava ao lado do homem que viu operar milagres! E além disso, estava prestes a sofrer a pior morte. Ainda que a Bíblia diga que ele blasfemava, imagino que no fundo, no fundo, ele queria mesmo era tentar Jesus. Tentá-lo a mostrar quem é o Cristo e quem de fato manda neste mundo. Afinal, o que eram três ou quatro soldadinhos romanos frente ao Cristo, filho do Deus vivo? Alguns teólogos até dizem que esta foi a última tentação de Cristo: Usar do seu poder em favor próprio.

A nossa vida não é diferente. Embora a cruz não esteja pregada em nossas mãos, em algumas situações da vida somos tentados a exercer o poder com mãos de ferro. “Afinal, é preciso governar com mãos de ferro e mostrar quem manda!” Agindo assim nós nos tornamos reis. Mas aquele tipo de rei autoritário, que exerce o poder em benefício próprio. Se desafiados, instintivamente, como animais, mostramos os dentes do autoritarismo e nos fazemos reis e imperadores do nosso círculo pessoal.

Gestas parece não ter entendido a pregação de Jesus. O seu poder de operar milagres e maravilhas não foi dado para auto-promoção ou para provar que era o Cristo. Afinal os Evangelhos retratam tantos milagres e mesmo assim Jesus estava ali, pregado na cruz. Isto porque o Reino de Deus não vem através de milagres. O Reino de Deus vem através do serviço. E diferente de Gestas, Dimas parece ter entendido melhor esta mensagem. E por falar em Dimas...

Vamos conhecê-lo também: o bom malfeitor.
Dimas repreende o seu companheiro dizendo que eles estão ali pelo que fizeram. Jesus, no entanto, nenhum mal fez. E termina dizendo: Lembra-te de mim quando vieres no teu reino. Como Dimas podia conhecer o conteúdo da pregação de Jesus? O passado dos ladrões é muito difuso. Parte da tradição diz que eles teriam roubado a Sagrada Família quando eles fugiam pra o Egito e Dimas teria impedido o seu parceiro de fazer mal à Maria e a Jesus. Outra parte da tradição – a que prefiro – diz que estes dois ladrões teriam feito parte dos 70 discípulos que Jesus enviou às cidades. Se assim foi, esses dois se perderam no meio do caminho. Mas nos últimos instantes, Dimas se arrepende e pede para ser lembrado quando vier o reino.

Hoje, de modo geral, vivemos o conflito de Dimas. Na condição de reprimidos (ou até mesmo de oprimidos) ansiamos pelo dia em que um messias virá e causará uma reviravolta e daí aqueles meus irmãos diferentes serão obrigados a serem iguaizinhos a mim. Quando queremos forçar o outro a pensar como nós, estamos saindo do caminho de Jesus. A mesa não é só para iguais. É para o estrangeiro também. E foi nos últimos instantes que Dimas descobriu isso. O tema da nossa pregação não deve ser este ou aquele modelo de espiritualidade ou de política... Dimas descobriu que não importa o seu time. Importa pregar o Reino de Deus.

Essa conversão de Dimas me inspira a rever a minha pregação, a minha prática cristã e a minha concepção de Reino de Deus. Preciso ver se na minha pregação do Evangelho estou falando mais do Inferno do que do Reino de Deus; se estou agindo de forma realmente cristã no meu dia-a-dia que é agir com justiça e em favor nos menos favorecidos; e principalmente se estou sendo agente de transformação: Se sou ou não construtor do Reino de Deus.

Isto me faz lembrar o terceiro malfeitor: Jesus Cristo.
Desculpem-me qualificar Jesus como malfeitor. Mas no momento em que ele é colocado entre os dois, a intenção é justamente essa: Identificar Jesus como mais um ladrão malfeitor. Isto porque Jesus, em seu ministério, tomou algumas atitudes questionáveis. Afinal, ele comeu na casa de ladrões, foi visto com prostitutas, andava com pessoas impuras e até falava com samaritanos e argentinos! Pior que tudo isso: em um mundo onde contestar o governo maligno é crime gravíssimo, Jesus se identifica com os criminosos. E lá estava ele na cruz. Sendo tentado a jogar a toalha e mostrar quem manda quando o ladrão do seu lado diz: Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino. Ao que Jesus responde: Hoje mesmo estarás comigo no paraíso.

A criminalização dos contestadores não é privilégio daquela época. Ainda hoje, os principais meios de formação de opinião, patrocinados por um determinado setor da sociedade, se esforçam por criminalizar a luta de homens e mulheres que nada fazem além de defender os seus direitos. Neste pacote podemos colocar o Movimento dos Sem Terra, Sem Teto, o movimento ecumênico – que sofre ataques tanto da mídia quanto da Igreja. Jesus não se identifica com a mídia ou com a massa que zomba dele. Ele se identifica com os criminosos.

Ao sermos criminalizados, a tendência é perder a esperança. Mas Dimas nos dá um último ensinamento: A imagem da morte da esperança – desenhada pela morte de Jesus na cruz – é apenas uma ilusão. Ao dizer “lembra-te de mim” Dimas expressa sua fé em Jesus e na sua pregação ao desejar ser – algum dia no futuro – lembrado por Jesus. A resposta de Jesus é a resposta à fé de Dimas: hoje estarás comigo no paraíso. Hoje. Não é amanhã, nem daqui a dois mil anos. É hoje. Diante disto, não podemos mais viver aguardando por algum evento mágico ou cataclísmico para estar diante de Deus. A resposta de Jesus é para que experimentemos o Reino de Deus hoje. Mas como? Através da comunhão entre irmãos, onde compartilhamos sorrisos banhados de lágrimas de alegria ou de tristeza. Vivenciamos o Reino de Deus também quando lutamos por um mundo mais justo e igualitário; quando tomamos a causa do outro – e no dia da consciência negra, somos convidados a refletir sobre a situação do negro na sociedade – como se fosse nossa. Fazemos o Reino de Deus quando jejuamos... E aquele prato que deixamos de comer, nós levamos a quem tem fome. Construímos o Reino de Deus quando amamos e doamos este amor em ações ao próximo.

Quero terminar este sermão perguntando pra você: Destas três personagens, com quem você mais se identifica? Gestas, o malfeitor equivocado que queria utilizar o “poder” de Jesus em benefício próprio; o bom malfeitor Dimas que no último momento de vida se converteu à pregação de Jesus e compreendeu o que de fato era o Reino de Deus ou Jesus Cristo, o rei que morreu na cruz, que venceu a tentação e que anuncia um paraíso para o hoje?

Bom, não sei vocês, mas eu gostaria de ser Jesus Cristo! No entanto, quando olho para os meus 26 anos, cheios de erros e conversões, vejo que estou mais para Dimas: o bom malfeitor. Só espero que nós não esperemos o fim da vida para entender a pregação de Jesus.

Que Jesus Cristo seja misericordioso para conosco como foi para Dimas.

Cristo Rei (26 Domingo após pentecostes)

Imagen: http://2.bp.blogspot.com/_4jnnvWrM1kk/TGnrqdk1biI/AAAAAAAAARQ/R1G_p-JnS5w/s1600/136.JPG

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