sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

E Cristo preferiu ser um pecador!


A tradição Cristã divide ao longo do ano os vários momentos importantes da vida de Jesus. Dessas datas, as duas mais conhecidas e celebradas por nós protestantes, com certeza, o Natal e a Páscoa. Mas existem outras também: O Pentecostes, o Advento, o Domingo da Santíssima Trindade, o Domingo de Cristo Rei, Corpus Christi... Como vocês podem ver, algumas delas até são feriado nacional. Você deve estar se perguntando porque estou falando disso, não é? É que neste domingo nós recordamos o dia do batismo de Jesus.
O significado do batismo de João é bem diferente do significado do batismo cristão. Enquanto o batismo cristão é símbolo da graça de Deus e ritual de entrada para a comunidade cristã, o batismo de João era um convite ao arrependimento e à conversão, para a mudança de atitude. Aliás, era essa a pregação de João no deserto. Pregava uma mudança de vida radical e anunciava a vinda do Messias que poria fim a todos os pecadores e ao sistema diabólico que oprimia o povo. No entanto, eram justamente os que precisavam se converter que se batizavam de brincadeirinha, sem uma conversão demonstrar sinais de uma verdadeira conversão.
Porém em um belo dia de sol, uma pessoa que definitivamente não precisava do batismo do batista foi batizar-se. Seu nome era Jesus filho de José. Nesta cena há dois fatos intrigantes e que gostaria de chamar a atenção hoje: O primeiro é que Jesus quer ser batizado quando, na verdade, ele deveria ser o verdadeiro “batista”. O segundo é que Jesus diz: “devemos cumprir toda a justiça”. A que justiça ele se refere, já que o batismo de João nem parte das leis judaicas fazia?

Vamos ao primeiro fato: Jesus não quer ser batista.
A atitude de Jesus é intrigante pelo simples fato de que ela contradiz a pregação de João. Ora, João anunciava alguém que viria e batizaria com fogo, trazendo o juízo para os pecadores e exploradores; João também anunciou alguém a quem ele era indigno até de ser seu escravo (lidar com as sandálias dos outros era trabalho para os escravos). E vejam você: Aos seus pés estava Jesus, pedindo o batismo como qualquer outro pecador arrependido. Entendem porque essa atitude contradiz a pregação de João? João anunciava um novo batista. Mas Jesus não quis ser batista. Ele quis ser pecador.
Geralmente a gente quer ser o batista que foi anunciado por João. Sabe aquele que irá concertar todos os problemas da Igreja? Aquele ou aquela que parece ter sempre razão e que por isso tem o direito de corrigir todo mundo? Olha, querer ver o bem da Igreja não é problema e aconselhar os irmãos e irmãs é até bíblico. O problema é que quando nos colocamos como senhores e senhoras da verdade, além de ficarmos sozinhos, não somos capazes de ver que nós também estamos precisando de correção e de salvação.
Com a sua atitude Jesus está nos convidando a ser pecador. Isto mesmo! Você não precisa ser o mais certo, não precisa ser mais espiritual que todo mundo. Para ser igual a Jesus você precisa ser tão somente ser pecador. Isso quer dizer que em cada momento da sua vida você se colocará no lugar do próximo. Do próximo que mata, rouba e fuma; do próximo que passa fome, frio e sede; do próximo que é humilhado, explorado e assediado no emprego... Até mesmo do próximo que chega atrasado na Igreja. Sabe por que? Porque quando nos colocamos no lugar do outro, a gente entende a sua situação, a gente calça o mesmo sapato e sabe onde a pedra está doendo. Quando a gente se coloca no lugar do outro, ao invés de acusar, a gente entende e sofre junto. Quando a gente se coloca no lugar do outro, a gente fica com sede de justiça.

O que nos leva ao segundo fato. Jesus diz: “devemos cumprir toda a justiça”.
Esta frase é a primeira frase de Jesus no evangelho de Mateus e tem um grande significado. Jesus está anunciando o seu programa, está dizendo para que ele veio: cumprir a justiça. Jesus não está falando de cumprir esta ou aquela lei. Quando ele fala em cumprir a justiça, está falando em cumprir o projeto de Deus para a humanidade, que desde o princípio foi a Vida (Genesis) e a Liberdade (Êxodo). Liberdade para conhecer a si mesmo, para se amar, para fazer suas próprias escolhas e ser dono e dona do próprio destino. Vida para ser vivida e repartida com toda a criação: homens, mulheres, crianças e a natureza.
A nossa vida hoje, infelizmente, é justamente o contrário disso. Não temos liberdade para decidir quando vamos tirar férias, quanto vale o nosso trabalho. O salário baixo não nos deixa decidir a roupa que queremos vestir, a comida que queremos comer e somos obrigados a nos contentar com o que deu. O natal, que deveria ser um momento de partilha, acaba se transformando em um momento de portas fechadas para os de fora. Isso quando não somos obrigados a desfazer da companhia da família para trabalhar junto com os pastores que viram o nascimento de Jesus. Somos escravos dos nossos empregos, da nossa condição social. Vida? Liberdade? Pra quê se fomos reduzidos a ponta de agulha e a cabo de enxada?
Neste sentido as palavras de Jesus nos trazem esperança. Esperança de que esta justiça ainda irá se cumprir; que um dia nós teremos a Liberdade e a Vida; que como Israel, fugiremos da escravidão dos nossos faraós e compartilharemos da Vida que há em toda a criação. As palavras de Jesus também nos trazem trabalho. Essa justiça não vai surgir aos nossos pés e nem se cumprirá se os nossos braços estiverem cruzados. Jesus diz que é nosso DEVER fazer CUMPRIR esta justiça. Não é uma atitude isolada, mas em comunidade. Quando estamos sozinhos, somos fracos; somos um fio de uma corda tentando sustentar uma tonelada. Mas quando somos uma comunidade, aí sim nós somos fortes. Em comunidade nossa voz soa mais alto e a dignidade que merecemos deixa de ser um sonho e fica ao alcance das nossas mãos. Quando as sapateiras se unirem em comunidade, aí sim conseguirão decidir o preço do seu trabalho e os dias do seu descanso.

Jesus hoje nos fez um convite: a nos identificar com os pecadores, com o povo todo que pede perdão pelos seus pecados e que muda a sua vida através da conversão. E também nos fez uma convocação: a sermos os que farão cumprir o ideal de justiça, sonhado por Deus desde o início: Liberdade e Vida.
É impressionante o quanto um simples texto pode nos propor desafios tão grandes. Desafios, que se levados a sério, podem mudar a nossa situação como pessoas e como Igreja, comunidade de fé.

Que Deus, em Jesus Cristo, nos dê a coragem de aceitar este desafio de mudar a nós mesmos. Amém.

1º Domingo após Epifania (Batismo do Senhor)

Imagem: http://www.sacred-destinations.com/italy/ravenna-battistero-neoniano-photos/slides/xti_7050p.jpg

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