sábado, 7 de novembro de 2009

Shemá Israel


"E Jesus respondeu-lhe: O primeiro de todos os mandamentos é: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor"
Mc 12. 29

O mundo de hoje é cheio de leis. "Não pise na grama, não coma de boca aberta, não coma de boca cheia" (Sorria - Gabriel O Pensador). O poder dessas leis são tão abrangente que um simples farol, com três cores, é capaz de orientar o trânsito maluco de São Paulo. Muita vez essa diversidade de leis nos deixa confuso, não é verdade? E não são raras as vezes que, sem querer, a gente acaba desobedecendo algumas delas por não conhecê-las.
Mas e se a gente pudesse resumir tudo a uma lei só?

Jesus tinha entrado em Jerusalém, aclamado por uma pequena multidão e estava ensinando no templo. Antes do texto que nós estamos lendo, ele já tinha discutido com fariseus, com saduceus e com os mercadores do templo. Agora era a vez de uma pessoa que, por ser um copiador, conhecia a Torá como poucos. Reconhecendo a sabedoria nas respostas de Jesus, para um último teste, lhe faz uma pergunta: Qual é o principal mandamento?

No versículo 29 Jesus inicia sua resposta de uma forma muito significativa. "Ouve oh Israel" é conhecido como o "Shemá Israel", referência ao livro de Deuteronômio 6.4, que é a confissão de fé o Judeu. Algo como o nosso Credo Apostólico. Esta curiosa escolha de Jesus nos dá duas interpretações para a compreensão do que ele estava querendo dizer.

1- A escolha do livro.

Quando se fala em leis, a primeira coisa que me vêm à cabeça é o episódio dos dez mandamentos, contados lá no Êxodo. Ou ainda a complexa legislação de Levítico. Mas Jesus opta pela declaração de fé do livro de Deuteronômio. É importante lembrar que o código deuteronomista é aquele que contém o projeto messiânico de Reino de Deus. Lembra-se de Josias? O rei menino que concertou Israel? De forma expeculativa, acredito que há uma mensagem nesta escolha: Jesus apontava para o tipo de reino que ele estabeleceria aqui na terra. E o tipo de messias que ele queria ser. Não se tratava de uma nova opressão, mas de uma libertação. Do rico à pobre viúva, todos seriam contemplados.

2- O Shemá Israel
Como foi dito antes, este era o "Credo Apostólico" dos judeus. Só que, diferente de nossa prática hoje, eles recitavam o Shemá Israel todos os dias ao acordar e antes de dormir. A conclusão é óbvia: Jesus estava dizendo que a principal lei deveria ser repetida dia e noite.

Para que possamos entender o versículo 30, faz-se necessária a correção de dois pontos:
Primeiro que, diferente do que nós pensamos, a concepção de Coração na Bíblia aponta para o racional do homem e não para os sentimentos. E a idéia de alma é referente aos anseios, as necessidades, ao fôlego que dá a vida. Em segundo lugar, uma pequena compreensão da poesia judaica. O poeta judeu adotava um estilo em que ele, ao fazer uma confissão, repetia o que queria dizer, mas com outras palavras. Um possível exemplo seria: "O Senhor é Onipotente, o poder do universo está em suas mãos". A mesma coisa acontece neste versículo:
Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento.
v. 30
Até aqui, tudo bem. Jesus está simplesmente fazendo uma repetição do Shemá Israel de Dt 6.4. Mas uma surpresa nos aguarda no v. 31.

No versículo 31, Jesus faz algo impensável. Ele altera o Shemá Israel. SIM! Ele toma sobre si a autoridade de acrescentar mais uma frase no Shemá Israel, colocando-a como equivalente no reconhecimento de que Deus é o único Deus de Israel e que portanto deve ser amado. Este mandamento polêmico é: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Em João 15.12 nós vemos a amplitude e a "exigência" deste amor: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei.

O escriba, que certamente viu o acréscimo feito por Jesus, não se assusta. Pelo contrário, ele "bate palmas" e diz que certamente os dois mandamentos excedem os Holocaustos e os Sacrifícios. Ele compreende que o cumprimento das leis por puro legalismo é vazio de qualquer envolvimento relacional - veja o exemplo do "bom samaritano" - e de misericórdia. "Misericórdia quero e não holocausto" é o que já dizia o profeta a anos atrás. No reino de Deus não há lugar para corações vazios, puros seguidores de leis. Mas é um lugar para corações convertidos de fato, que não desejam o mal dentro de si.

O último versículo desta perícope, desta passagem, nos propõe um desafio. Jesus diz que aquele escriba não está longe do Reino de Deus. O que ele queria dizer com isso?
Aquele escriba havia compreendido muito coisa a respeito da boa nova que Jesus veio trazer. Em uma conversa, ele compreendeu o que os discípulos levaram um tempinho pra entender. Mas ainda faltava alguma coisa. No meu entender, é a prática!

De pouco adianta os cristãos estudarem as suas Bíblias, irem aos cultos todos sábados e domingos - e às vezes até durante a semana - se eles não praticam aquilo que aprendem. Fico surpreso como muitos cristãos conseguem acreditar num aleijado que anda, mas não creem que Deus é capaz de mudar o sistema de vida na nossa comunidade social.

Amar a Deus e ao próximo está longe de ser apenas uma simples confissão de Fé. Se colocarmos em prática essas palavras - que deveriam ser repetidas dia e noite - o Reino de Deus estará entre nós.

Por isso este texto é um grande desafio para nós, cristãos e cristãs. Que Deus nos abençoe e nos encorage a cumprir praticando esta confissão de fé.

Imagem: http://www.gans.co.il/upl_art/8390-27.jpg

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